
Maria Amália Vaz de Carvalho – A Senhora da Sociabilidade Literária
Figura incontornável da cultura portuguesa oitocentista, Maria Amália Vaz de Carvalho (1847–1921) destacou-se como escritora, ensaísta, crítica literária e pioneira na afirmação da mulher no espaço público. Recitou os seus primeiros versos em 1866, com 19 anos de idade, perante uma planteia de intelectuais que frequentavam a casa de seus pais, incluindo Bulhão Pato. A sua ligação a Cascais é profunda e simbólica, refletindo-se tanto na sua vivência pessoal como na sua produção intelectual.
A sua residência principal era, desde 1877, uma casa na Travessa de Santa Catarina em Lisboa, classificada por Júlio Dantas como “o primeiro salão literário de Lisboa”, acolhendo figuras como Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Ramalho Ortigão, Antero de Quental e o seu marido, o poeta António Cândido Gonçalves Crespo, com quem tinha casado em 1874.
Em 1903, os terceiros Duques de Palmela mandaram construir, junto à baía de Cascais, a então chamada Vila D. Pedro, oferecida a Maria Amália em reconhecimento pela biografia que escrevera sobre o primeiro duque da família, D. Pedro de Sousa Holstein. Esta casa, hoje conhecida como Casa Maria Amália Vaz de Carvalho (atualmente Hotel Villa Albatroz), era um refúgio tranquilo, sobretudo depois de perder prematuramente o marido.
Maria Amália Vaz de Carvalho vê a filha Maria Cristina morrer em 1918. Três anos mais tarde, parte, aos 74 anos, sendo sepultada no cemitério dos Prazeres.
A vila de Cascais, na viragem do século XIX para o XX, era um dos principais centros de veraneio da elite portuguesa. A presença da família real e da corte atraiu a nobreza, a alta burguesia e intelectuais, criando um ambiente propício ao florescimento de tertúlias, saraus e encontros culturais. Foi neste contexto que Maria Amália desenvolveu a sua reflexão sobre os códigos de conduta e os rituais sociais, culminando na publicação da sua obra mais emblemática: A Arte de Viver na Sociedade (1895).
Este livro, muito mais do que um manual de etiqueta, é uma meditação crítica sobre os valores sociais e morais da época. Nele, Maria Amália defende a cortesia como expressão de respeito mútuo e civilidade: “A cortesia é a flor da humanidade. Não é apenas uma forma, é uma substância moral. É o respeito tornado visível.” A autora propõe uma pedagogia da convivência baseada na empatia, na moderação e na inteligência emocional. A convivência, para ela, é uma arte que exige sensibilidade e generosidade: “Saber viver na sociedade é saber respeitar os outros sem se anular, é saber afirmar-se sem ofender.”
A sua visão da etiqueta está profundamente enraizada na experiência vivida em ambientes como o de Cascais, onde o convívio entre pares exigia códigos subtis de comportamento, discrição e inteligência social. A sua casa, integrada hoje na Rota Literária da vila, é um testemunho vivo da sua importância na construção de uma identidade cultural local e nacional.
Maria Amália foi também uma das primeiras mulheres a afirmar-se no espaço público português. A sua eleição para a Academia das Ciências de Lisboa, em 1912, foi um marco histórico. A sua escrita, marcada por uma ética da convivência e uma crítica ao artificialismo social, continua a inspirar estudos nas áreas da educação, dos estudos de género e da história da vida quotidiana.
A sua defesa da educação feminina é clara e contundente: “A mulher educada não é a que sabe bordar ou tocar piano, mas a que sabe pensar, falar e calar com dignidade.”
Como escreveu numa carta de 1900, evocando a morte de Eça de Queirós: “Foi há poucos dias que eu recebi aqui em Cascais, na pequena casa à beira do Oceano, em que escrevo estas linhas, a súbita notícia da morte de Eça de Queirós. […] Como exprimir a pena profunda, a mágoa sem nome, que a minha alma sentiu?”
Este testemunho íntimo revela não só a sua ligação afetiva à vila, mas também o papel central que Cascais desempenhou na sua vida e obra. Maria Amália Vaz de Carvalho é, assim, uma das grandes senhoras da sociabilidade literária portuguesa — e Cascais, o cenário privilegiado dessa arte de viver.
Essa arte de viver estendia-se também à corte, onde D. Maria Pia, rainha consorte de Portugal, fazia temporadas em Cascais e promovia receções marcadas pela elegância e pela generosidade. Nos salões do Palácio da Ajuda e nos piqueniques do Estoril e Sintra, a rainha organizava almoços e ceias que seguiam os preceitos da etiqueta e da hospitalidade descritos por Maria Amália Vaz de Carvalho. Nas suas recomendações para receções e bailes, Maria Amália sublinhava a importância da abundância e da delicadeza dos refrescos, que deveriam circular pelas salas com pequenos intervalos. Entre os elementos obrigatórios que ela destacava estavam Punch à la romaine; gelados; sirops; limonadas; chá, chocolate e neve; bolos de várias espécies; petits fours; brioches; sandwichs; croquettes; pãezinhos com galantine e foie gras; Vinhos do Porto, Madeira e Bordéus. Estas sugestões não eram apenas uma questão de gosto, mas uma expressão da sua ética da convivência: hospitalidade sensível, inteligência social e generosidade.
Para homenagear esta tradição de sociabilidade refinada e literária, sugerimos uma Charlotte à la Russe, muito comum na mesa régia e nas casas burguesas desta época.