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Maria do Carmo Mendes

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D. Maria do Carmo Mendes
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Cozinha com Historia
Maria do Carmo Mendes
Texto Cozinha com Historia

A D. Maria do Carmo, “nossa vizinha”, às quartas-feiras, no Mercado da Vila, é uma pessoa com muitas estórias para contar. Recebeu-nos à entrada da sua fábrica de bolos com um sorriso sincero. Estava de máscara mas há sorrisos que não se conseguem esconder porque os olhos os denunciam. Convidou-nos a entrar e depois de uma rápida visita ao espaço, sentámo-nos à secretária do seu escritório, ligámos o gravador e ela, de pé, levou-nos numa breve, mas emocionante, viagem pela sua vida. 

Nós temos uma estória para contar, a de uma mulher empreendedora, com fibra que continua a viver a vida com a mesma força da rapariga que chegou a Cascais em 1957.

Veio de Celorico da Beira para a nossa vila com 18 anos. Apesar de amar muito a sua terra, o clima e a vida dura levaram-na a procurar um futuro diferente. O tio, na altura, trabalhava na Farmácia Marginal e arranjou-lhe emprego. 

Para trás ficou a lida do campo e os dias difíceis da apanha de azeitona e da castanha. Ainda assim foi com carinho que relembrou esses tempos. Irmã mais velha de 7, perdeu a mãe aos 13 anos. Cedo começou a governar a casa. Carmita (era assim que lhe chamavam) partilhou connosco a dureza da vida do campo mas também os hábitos alimentares de então. Talvez por saber que nós, os vizinhos do Mercado, trabalhamos num projeto ligado à gastronomia. Em famílias como a sua, no inverno, comia-se o caldo, uma mão cheia de figos secos e pão. Quando havia castanha, comiam-se cozidas ou assadas. A fruta era a da época: ameixas, peras, uvas e as famosas maçãs Bravo de Esmolfe. Lembra-se de comer marmelos assados na brasa e da mãe fazer muito doce de tomate, figo e marmelada.

Quando atingiu a maioridade resolveu dizer até breve Celorico, apanhou o comboio e começou uma nova vida em Cascais. Na farmácia, onde o tio trabalhava, fazia tudo o que era preciso “ajudava a fazer as pomadinhas” e foi lá que conheceu um rapaz do Carregal do Sal com quem casou num domingo.

Depois do casamento, mudou de emprego. Foi trabalhar a dias, “a engomar camisas”, na casa da Srª Dona Mariana, proprietária de uma antiga mercearia que existia ao cimo da Rua Direita. Ainda se lembra do arroz com bacalhau que a patroa cozinhava e que ela comia com tanta satisfação.

Trataram-me sempre muito bem em Cascais. Cascais, também, é a minha terra.

Os primeiros anos de vida cá, também, não foram fáceis. Marido e mulher trabalhavam dia e noite para ganharem um pouco mais -“naquela altura ganhava-se dois escudos à hora”. Até cozinhou para o Rei Humberto de Itália, exilado em Cascais, e desse período guarda boas memórias “era uma pessoa impecável”. Depois foi cozinheira do Dr. Pinto Coelho e percebeu que o seu futuro era mesmo entre os tachos e as panelas.
Começou a fazer Bolas de Berlim e batatas fritas, para vender na praia. Foi o tempo mais feliz da sua vida. Vendeu durante muitos anos na praia da Conceição e da Duquesa e fornecia os vendedores do Guincho. O marido continuou na construção, mas no verão ajudava-a a levar as suas “latinhas” para a praia. Às vezes nem se deitavam. Chegavam a fazer 3000 Bolas de Berlim diariamente. Enquanto as bolas cresciam, ela e o marido “cochilavam”. Mais tarde arriscou a fazer Nozes de Cascais… segredou-me que tem a receita das nozes que eram feitas para o Rei D. Carlos.

Com o passar do tempo e com o crescimento do negócio, mudaram-se para uma fábrica e contratou um pasteleiro. Passaram a ser 11 pessoas de volta das Bolas de Berlim e de outras iguarias.

Quando o “Mercado Novo” abriu adquiriu um metro de espaço para as suas montras feitas de madeira e os seus bolos vendiam-se tão bem, que nem tempo tinha para tomar um café -  “naquela altura trabalhava-se de noite e de dia mas valia a pena”, diz D. Maria do Carmo. Enquanto ela vendia na praia, o marido e o filho vendiam no mercado.

“Eu adoro o Mercado. Já lá não está ninguém do meu tempo”. Ela recorda com saudade as favas, as ervilhas e os repolhos de então e relembra que o mercado saloio era feito de vendedores da zona de Almoçageme, Sintra, Colares, Ribamar, Peniche e Torres Vedras.

Agora já não vende bolas na praia. Continua a ter o seu espaço no Mercado de Cascais, é nossa “vizinha”. Hoje em dia os pastéis de nata são o produto mais procurado e apreciado. Mas as vendas não são como antigamente. Os tempos mudaram. Chegava a vender 900 pastéis de nata, agora se vender 25 é uma sorte.

Estávamos quase a chegar ao final da nossa conversa e pensámos, a Carmita passou a vida a trabalhar. Ela parece que nos leu os pensamentos – “Não viajei muito, mas ainda viajei… Istambul, Grécia, Israel fui duas vezes… mas nunca vi nada como Cascais! Cascais é a terra mais linda do mundo.”