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Guida Cândido

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Guida Cândido
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Guida Cândido
Texto Cozinha com Historia

Fomos conhecer a mulher que já se ‘sentou’ à mesa com Rainhas. Guida Cândido licenciou-se em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Mas sempre se interessou pelos “aspetos do quotidiano, da sociedade e da cultura, e sobretudo pela dita História da Vida Privada”. A História da Alimentação relaciona-se com este campo e assim quando lhe bateu à porta a possibilidade de avançar para o Mestrado em Alimentação (criado pela Professora Maria José Azevedo Santos), nem teve dúvidas de que esta era uma temática que pretendia aprofundar. 

Guida Cândido integrou em 2000 a Divisão de Cultura da Câmara Municipal de Figueira da Foz, onde desenvolve estudos na área da museologia, do património da história local e da gastronomia. É também responsável pelo estudo dos fundos fotográficos, organizações de exposições, concursos, workshops e outras atividades culturais.

Autora dos livros “Cinco Séculos à Mesa - 50 Receitas com História” (com o qual venceu os prémio Gourmand Award 2016 na categoria Receitas Históricas e Portugal Cookbook Fair 2017 na categoria Livro do Ano) e “Comer Como uma Rainha - O receituário real do século XVI ao século XX” (distinguido com o prémio internacional de Literatura Gastronómica 2019), ambos com a chancela da Dom Quixote, Guida Cândido é, também, investigadora do Centro de Estudos Clássicos e humanísticos da Universidade de Coimbra. Tem escrito artigos científicos e publicado textos tais como: “A nossa mesa: receituário gastronómico da Figueira da Foz”; “Coração, Cabeça e Estômago: uma tertúlia figueirense” e, mais recentemente,”Five Centuries of Portuguese Cuisine”.

Naturalmente quisemos saber com que Rainha gostaria de se ter sentado à mesa, e a resposta foi D. Catarina de Áustria. O estudo que fez no âmbito do seu mestrado, ”sobre a extensa documentação da sua administração, revelaram a personalidade, vincada e astuta, que a caracteriza” permitindo, assim, à investigadora fazer o retrato da rainha, nas diferentes e marcantes etapas da vida. A infanta espanhola que veio para a Portugal para ser rainha é para Guida Cândido a ‘sua’ rainha. Aquela que “ampara um rei a quem foge o Império; uma rainha oprimida por intrigas palacianas e vozes dissonantes e que arrisca cumprir os desígnios do seu rei e, finalmente, uma rainha que é avó. Uma avó presente.” O livro de despesas alvo de estudo de Guida Cândido é revelador da organização da Casa de Catarina de Áustria. Refere que “as movimentações dos seus servidores servem para elucidar sobre o funcionamento da Casa de uma rainha, da etiqueta de corte em que assenta esse organismo, nas várias funções desses homens e mulheres. Serve igualmente para descrever a rainha na sua ligação religiosa e espiritual, revelando a sua generosidade na natureza das dádivas, das mercês a religiosos mas também aos homens e mulheres que a servem, que são a sua Casa. E assim se chega à sua ucharia e cozinha e, finalmente, à sua botica.”

A rainha e seus moradores recebiam a melhor comida: “as carnes mais nobres, os pescados mais distintos, as frutas da época em canastras e seiras, o açúcar, as especiarias, queijos variados e as frutas de melhor qualidade.” Assim podemos visualizar a mesa real quinhentista. E não faltavam flores - Rosas e boninas. 
D. Catarina de Áustria gostava de galinhas, comia “com entusiasmo queijos do Alentejo, não dispensava as cerejas e tinha, na sua botica, açúcar rosado que lhe afundava no espírito, mais rico de amargura do que de alegria, a mansa melancolia e lhe adoçava e doirava as incertezas que lhe trazia a espuma dos dias. “
 
Se as flores não faltavam à mesa de D. Catarina de Áustria e à mesa das suas damas já Guida Cândido diz que os elementos decorativos de uma mesa dependem “muito das circunstâncias e dos comensais”. Refere que gosta “da cultura material da comensalidade e que as mesas podem revelar muito de nós e da nossa personalidade”. Alfaias e têxteis de mesa são os seus elementos preferidos numa decoração. Confessa que em jantares aprecia “as múltiplas possibilidades de iluminação, sobretudo com velas” e encara os elementos naturais (flores, mas também frutas, vegetais, elementos marítimos) como” um pormenor que pode fazer a diferença”.

O que também pode fazer a diferença num prato é o seu tempero. Por isso desafiámos a Guida Cândido a fazer uma reflexão: Entre o século XVI e o século XX onde se situa o seu paladar? Ela revelou que gosta muito de especiarias e que o seu palato “não estranha os sabores mais recuados, nomeadamente o receituário associado ao Livro de Cozinha da Infanta D. Maria, com o uso intensivo de muitas especiarias.” No entanto também se vê como alguém do seu tempo e por isso gosta “das novas abordagens que as cozinhas contemporâneas nos permitem”. Mas o mais importante para a nossa entrevistada é com quem se partilha a viagem à mesa. E se falamos de mesa ao longo de cinco séculos que ingredientes se destacaram na linha temporal? Ora, tomem nota: especiarias no século XVI; aves e caça no século XVII; ervas aromáticas no século XVIII; cacau, café e chá no século XIX e a batata e o tomate no século XX! Aqui pelo Cascais Food Lab somos mais século XIX.

Quase a terminar esta conversa gastronómica não resistimos a pedir à Guida Cândido que construi-se um menu para jantar, baseado no seu livro "Comer como uma Rainha". Quem sabe se num destes dias não preparamos um jantar temático no nosso espaço (que está quase pronto)?  A autora já teve a oportunidade de recriar, em ciclos de jantares temáticos, a seleção de receitas que apresentou para cada uma das rainhas. Mas esta nossa proposta foi desafiante para Guida Cândido. “Penso que no geral, o menu associado à rainha D. Maria I é o que me agradaria mais. Mas poderia resgatar várias propostas dos outros menus. Assim, iniciaria com Alumela de anchovas de D. Maria I; Empada de atum D. Maria Francisca de Sabóia; Espinafres de bechamel, punch à la romaine e o peru assado com agriões da D. Maria Pia e terminava com a doçaria, a minha preferida é a proposta de Almojávenas D. Catarina mas também seria interessante na época dos marmelos a Torta de Marmelos D. Maria Ana de Áustria.” Por aqui já ficámos com água na boca! E vocês?

Já que estamos a falar em fazer um jantar, como será a Guida Cândido na cozinha?
“Duas posturas em permanente conflito: por um lado a curiosidade pelas cozinhas do mundo e novas técnicas e abordagens, por outro a procura dos sabores e receituário mais fiel à nossa matriz dita tradicional, dos sabores locais e de território. Uma verdadeira promiscuidade!”