Aconselha-se que esta leitura seja feita acompanhada de um copo de licor de amora. A amora não é afrodisíaca mas o vinho é, e uma coisa é certa, este doce néctar tem o suficiente para desinibir um pouco o corpo e a mente (mas não exagere).
A consagrada autora Isabel Allende, em “Afrodite”, leva-nos numa viagem ao fantástico mundo da gastronomia erótica. As páginas deste livro, um misto entre o erotismo e a gastronomia, propõem um passeio pelos lugares da memória sensual da autora, onde a fronteira entre o amor e o apetite são difusos.
A minha tia Teresa, a que se foi transformando em anjo e morreu com indícios de asas nos ombros, está para sempre ligada ao cheiro de rebuçados de violeta. Quando esta dama encantadora aparecia de visita com o seu vestido cinzento e a sua cabeça coroada de neve, nos as crianças corríamos ao seu encontro e ela abria com gestos rituais a sua velha mala, sempre a mesma, tirava uma pequena caixa de lata pintada e dava-nos um rebuçado cor de malva. E a partir de então, todas as vezes que o aroma inconfundível de violetas se insinua no ar, a imagem dessa tia santa, que roubava flores nos jardina alheios para levar aos moribundos no hospital, regressa intacta à minha alma. Quarenta anos depois eu soube que era esse o selo de Josefina Bonaparte, que confiava cegamente no poder afrodisíaco daquele aroma fugidio que tão depressa assalta com uma intensidade quase nauseabunda, como desaparece sem deixar rasto para logo voltar com renovado ardor.
“Afrodite” surge de uma catarse. Após a morte da filha, a autora viveu com uma tristeza profunda durante três anos. O “basta” foi dado com o projeto de escrever este livro. Ele agrega várias receitas: sopas, molhos, pratos principais, bebidas afrodisíacas, caldas, cremes e doces que colocam a gula no patamar do prazer. Daí Isabel Allende defender que o sabor e o paladar da comida estão associados à sexualidade.
Senão vejamos: na sopa começam as insinuações, na entrada saboreiam-se os jogos eróticos, no prato principal e na sobremesa, atinge-se o clímax. E depois, mais um copo de licor para afagar a alma.
Um destes dias o Cascais Food Lab ainda se propõe confeccionar a Carlota dos Amantes, uma bebida à base de chocolate, nozes, café, licor e ovos e depois contamos como foi a experiência... ou talvez não.